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quinta-feira, 24 de junho de 2010

AMOR BANDIDO


“Amor Bandido” (1979) representa uma espécie de “filho especial” na filmografia de seu diretor, Bruno Barreto. Vindo na ocasião do megasucesso “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, aqui Bruno respira, faz um filme modesto, porém tão notável quanto o blockbuster de dois anos antes.

Na pequena série de policiais brasileiros, que iniciamos neste final de ano, “Amor Bandido” é do gênero que conquista o mais desatento dos espectadores. Inspirado no famoso caso da crônica policial carioca, o “Matador da Bandeira Dois” – um marginal que assassinava taxistas na zona sul, de madrugada – Barreto constrói, através do roteiro de Leopoldo Serran e José Louzeiro, uma crônica de costumes dissimulada.

Sandra (Cristina Aché) é moça de classe-média, filha do policial Galvão (Paulo Gracindo). Cai na prostituição e se envolve com o autor dos crimes, Toninho (Paulo Guarnieri), caçado pela cidade. De novo o espaço de ação é Copacabana, com seu luxo e lixo, ostentação e decadência.

Lá estão as famigeradas madrugadas nos edifícios de quitinetes e a promiscuidade nas boates, com o eterno oba-oba social-moral do bairro mostrado no varejo, através da tragédia-formiguinha de Sandra. Ela não tem mãe, divide um pequeno apartamento com um amigo travesti, até o dia em que este se suicida, saltando por cima das vigas de uma obra. Então Sandra conhece Toninho, o cafetão da amiga morta, e os dois iniciam relação doentia e simbiótica.

Toninho, como tantos, desembarcou de São Paulo sonhando com gringas e dólares. Na falta disso, junta dinheiro explorando homossexuais, compra uma arma e inicia carreira de homicida. Sandra, apavorada, vira cúmplice – enquanto o detetive Galvão, sem saber do envolvimento da filha, é o investigador do caso.

Vemos com detalhes a vida noturna do bas-fond carioca na virada da década de 70 para 80. As meninas saem da boate e vão para um restaurante barato jantar; Sandra e Toninho esperam o sol nascer em um banco do calçadão da praia, enquanto ele narra para ela sua vida de crimes. No edifício de Sandra, uma babel de classes sociais e profissionais habita, inclusive um taxista que não imagina ser vizinho dos matadores contra quem tanto vocifera.

A compreensão do relacionamento entre Sandra e Toninho é todo o segredo do filme. Ela encontra no garoto tresloucado sua proteção paterna. Ele encontra na menina, carente e promíscua, um simulacro de amor materno. E os dois, como quem precisa de outra metade para sustentar a possibilidade de ser, acabam perdidos um no outro.

Sandra sabe que vai entregar o namorado para a polícia, mas só o faz mediante tortura. O roteiro é tão perfeitamente construído que, a rigor, neste estágio do filme, estamos quase torcendo pelo casal. No inferninho onde bate ponto, com marcas das pancadas a que foi submetida, a triste Sandra dança com um cliente, enquanto sabe que lá fora, debaixo da chuva, seu pai é a morte aguardando Toninho. Se fosse cinema francês, o filme levantaria os créditos neste ponto. Mas na brutalidade brasileira vai além – e mostra em cores vivas até onde o crime não compensa.

Como detalhe curioso, temos um imbróglio acontecido na época, envolvendo Barreto – que comprou a música “Amada Amante”, de Roberto Carlos, esperando ser este o título do filme – e o diretor da Boca do Lixo, Cláudio Cunha, que foi mais rápido e lançou o seu “Amada Amante” durante as filmagens de Barreto. Isto explica a estranheza, meio fora do contexto, de Sandra ser obcecada pela música ao longo da história.

É longamente discutível se o diretor é bom cineasta ou não – mas em “Amor Bandido”, e nas produções dos anos 80, ao menos esforçava-se para não dar sono. Se chegando em “Bossanova”, a pretexto de celebrar o bairro que ama, fez um filme de plástico, resta o lembrete de que aqui já havia realizado uma espontânea homenagem, enfiando o pé na jaca e dando ao mundo a visão pessoal – e autoral – de um lugar que prova conhecer tão bem, mas tão bem, que soa exemplarmente perfeito, no ofício nobre de artesão naturalista.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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