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quinta-feira, 24 de junho de 2010

PUREZA PROIBIDA


Terceiro longa de Alfredo Sternheim, “Pureza Proibida” (1974) não guarda muitas semelhanças com os anteriores “Paixão na Praia” (1971) – resenhado neste site – e “Anjo Loiro” (1973).

Uma das poucas formas de aproximação entre este conjunto de filmes surgiria com a presença de personagens femininas destacando-se como o fio condutor da narrativa: Norma Bengell (em “Paixão...”), Vera Fischer (em “Anjo...”) e Rossana Ghessa (em “Pureza...”).

Ainda assim, as três protagonistas desempenham funções diferentes, em ambientes e motivações diferentes. A irmã Lúcia (Rossana) – baseada na peça “A Branca e o Negro”, de Monah Delacy (intérprete da Madre Superiora e co-autora do roteiro, ao lado de Sternheim) – influencia uma locação rural por excelência, em contraposição às metrópoles de “Paixão...” e “Anjo...”.

O sexo depressivo de Norma, a fúria de Fischer também não podem ser associados à sensualidade represada e inacessível da pequena Lúcia, noviça que chega a um vilarejo e transforma a vida das crianças, dos pacientes do hospital, das colegas de convento e sobretudo da colônia de pescadores – para o bem, ao aproximar-se de Chico (Zózimo Bulbul); para o mal, ao causar o ciúme da psicopática Anésia, ex- namorada do rapaz.

Bulbul aos 37 anos rivaliza em carisma com Rossana e Carlo Mossy (no papel de Padre) – casal de “Lucíola, o Anjo Pecador” (1975), também dirigido por Sternheim, mas que em “Pureza Proibida” fica afastado tanto pela barreira religiosa quanto pelos cortes que a participação de Mossy sofreu após um grave acidente de carro durante as filmagens, que quase lhe custou a vida.

Percebe-se da parte de Sternheim a delicadeza na composição dos quadros que somada à fotografia de Ruy Santos transforma as praias em algo pictórico, como se construído à mão, ora cinza-chumbo – em especial a cena em que Anésia caminha em direção à câmera –, ora solar – tonalidade esperada em se tratando do lugar paradisíaco.

“Stromboli” de Rosselini surge como identificação mais direta, numa postura algo neo-realista. Entretanto, a identificação é assimilada pessoalmente, no total das características do diretor – aqui obcecado em uma falsa simplicidade no filme, que engana apenas aos mais desavisados, pois em “Pureza...” há um mundo de referenciais intricados por detrás da superfície.

A começar pela brasilidade do roteiro – Lúcia visita terreiros de candomblé, festas pagãs –, passando pela trilha sonora de Edino Krueger e pela montagem de Ismar Porto – roteirista, montador e diretor prolífico no cinema brasileiro –, o filme é ponto altíssimo da RG Produções (vulgo Rossana Ghessa Produções) e transpõe o esquema clássico da “moça ingênua que apaixona-se, alegra pessoas e quebra preconceitos”.

Há, por exemplo, o pessimismo do final – a morte trágica de Chico, que não é punição pelo seu namoro inter-racial com Lúcia, mas a chave para que o roteiro expresse o fato de que até em lugares minúsculos a suposta “pureza” deixa de existir, e é antes disso uma idealização injustificável. Lúcia também é apedrejada pelos meninos que brincavam e davam risadas com a garota que, dentre outros percalços, fôra violentada por um médico bastião da moralidade.

Ruth de Souza encarna a Mãe Cotinha, dona do terreiro de candomblé, matriarca que atende pelo lado folclórico do enredo, sem se transformar em pastiche. A roda comandada em determinado momento por Mãe Cotinha parece ter sido deixada rolar a frame solto pelo diretor, ciente que assistia a uma cena original, in loco, ao invés daquilo que em certos filmes é vendido como “macumba pra turista”. Os atores captam a mesma sensação, o resultado fica acima da média.

Além disso, um detalhe interessante está na relação entre Chico e Lúcia. O estereótipo do negro viril acaba sendo quebrado pelo tom senhorial da freira, comandando – e sendo correspondida nesta iniciativa – as atitudes do pescador, evitando-o, chamando-o, abraçando-o.

Como conclusão, resta que o triângulo Lúcia-Chico-Anésia, costurado por cada ponto técnico e criativo da obra, faz de “Pureza Proibida” a junção de utopia e realidade, poético e cerebral ao mesmo tempo, numa investigação do que seja a sexualidade em guerra. Guerrilha psicológica, sem a promessa do amor livre, e cheia das maldades a que cada ser humano mal intencionado tem direito.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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