Powered By Blogger

quinta-feira, 24 de junho de 2010

OS MACHÕES


Espécie de "Shampoo" brasileiro - três anos antes do filme de Hal Ashby se tornar clássico instantâneo dos anos 70 - "Os Machões" (1972) explora uma realidade que, naquela época distante, já era febre entre as mulheres: os feéricos salões de cabeleireiro, visitados como continuação da sala de estar, onde o cabelo, a unha e os cremes viram nobres justificativas para a convivência - pacífica ou não - entre os seres do sexo feminino.

Como bons malandros cariocas, o trio Didi (Reginaldo Faria), Telecão (Erasmo Carlos) e Juca (Flávio Migliaccio) tem por este sexo feminino aquela espécie de furor que Nelson Rodrigues descreveria como iracundo, quase obsessivo, antecessor em cinco minutos à gênese da humanidade. Certo dia conhecem uma jovem mona, que narra as maravilhas da convivência nos salões de beleza, cheios de lindas mulheres nas suas dependências. Basta para que os amigos decidam imediatamente entrar para a profissão de cabeleireiro.

As comédias de Reginaldo Faria têm a qualidade de prenderem a atenção do espectador do início ao fim; com "Os Machões" não é diferente. Extremamente cuidadosos na produção, os irmãos Faria usam e abusam do auxílio luxuoso da trilha-sonora de Erasmo Carlos e da onipresente e paradisíaca cidade, dessa vez emprestando um deslumbrante apartamento no alto da Avenida Niemeyer, onde Erasmo é visto dormindo, assediando a arrumadeira e consumindo ovinhos de codorna para melhor desfrute da vida.

Reginaldo (repetindo o personagem Didi, de "Pra Quem Fica, Tchau!") poderia rivalizar em beleza com o trintão Warren Beaty de "Shampoo", e não faz por menos, se envolvendo com mãe (Neuza Amaral) e filha (Kate Hansen, como diria Ibrahim Sued, "linda de morrer"), além de metade da população do estado da Guanabara.

Juca, o terceiro amigo, aos poucos vai se libertando do oportunismo e encontrando seu verdadeiro self. Provavelmente, se os outros dois acompanhassem o conflito sofrido por ele, o filme ganharia, além de humor, também uma dose maior de inteligência. Didi chega perto, flerta com o professor gay, mas para tristeza de muitos, mantém até o fim o armário trancado consigo dentro.

Quem gosta de moda conseguirá apreciar (sob o patrocínio de Helena Rubinstein) um pouco do funcionamento dos salões e das tendências de beleza, apesar do tom um tanto caricato. Enquanto correm atrás de aprenderem o ofício para melhor conhecerem "as madames", os três rapazes fazem uma incursão bem documentada por locais datadíssimos, que na tenra infância da geração entre 25-35 anos de hoje ainda existiam.

E se todas as gerações que cresceram no Rio de Janeiro em conflito a partir dos anos 80, tomarem como referência essas comédias urbanas cariocas do passado, concordarão de vez com a máxima saudosista de que "Ipanema era só felicidade". Realidade ou idealização, vale lembrar que a dolce vita da Zona Sul da antiga capital do país é quase um lugar-comum nas manifestações culturais brasileiras do século XX.

De Reginaldo Faria a Mozael Silveira, os diretores populares dos anos 70 souberam capitalizar esse paradigma com maestria -- no caso de Reginaldo, transformando histórias divertidas como "Os Machões" e "Pra Quem Fica, Tchau!" em revistas de atualidades da metrópole, apresentadas na medida certa de um produto consumido pelas grandes massas. Não é de se espantar que pareçam ingênuas por um lado, e por outro envelheçam cada vez melhores e mais exuberantes.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

Nenhum comentário: