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quinta-feira, 24 de junho de 2010

OS IMORAIS


Até onde chega a morbidez das falsas convicções humanas? Esta parece ser a questão pertinente de “Os Imorais” (1979), filme obscuro e interessantíssimo, dirigido por Geraldo Vietri, homem que a história do audiovisual brasileiro normalmente associa às novelas, sendo praticamente sinônimo da velha Tupi de São Paulo. Mas com a competência que empregava na tela pequena, Vietri fez uma curta e bela filmografia, onde “Os Imorais” talvez seja a jóia esquecida.

Geraldo Vietri era um paulistano apaixonado, mas, paradoxo, a São Paulo de “Os Imorais” – dirigido, roteirizado e montado por ele – é uma cidade terrível de se viver, muito próxima à realidade da verdadeira São Paulo dos anos 70, sem licenças poéticas ou saudosismos da província opulenta.

A história gira em torno de Gustavo (Paulo Castelli), jovem e pobre cabeleireiro que mora em um edifício de quitinetes, onde a única paisagem possível é o Minhocão, que dia e noite, produz um barulho ensurdecedor. Gustavo se apaixona por Mário (João Francisco Garcia) e este por sua vez está interessado em dar o golpe do baú na rica Glória (Sandra Bréa). O que poderia ser uma comédia de costumes, no entanto, é um sinistro, denso e teatral estudo da natureza humana.

Gustavo se humilha, armando no dia do próprio aniversário a situação ideal para que Mário visite o moquifo a que chama de apartamento. Finge que Glória virá visitá-lo, mas na verdade ele nem a conhece direito. Tenta de todas as formas fazer com que Mário compartilhe a mesa posta (para ninguém) cheia de doces e bolo, mas Mário rechaça as comidas e a comemoração, ansiando por Glória, que obviamente não aparece. Quando nota a armadilha, Mário simplesmente vai embora, deixando o aniversariante sozinho, em uma seqüência melancólica que causa mal-estar no espectador.

Pouco a pouco, Gustavo dobra Mário. Na verdade, precisa dobrar primeiro o seu machismo, o que consegue com ar fraternal de companheiro e confidente. Existe certa sexualidade perversa explicitada no desencadeamento mental de Gustavo, que ao mesmo tempo sofre e fantasia os interlúdios entre Mário e Glória, nos quais atuaria como voyeur .

Sendo antes de tudo um ingênuo, um ignorante, o brutalizado Mário transpira certezas e convicções. O roteiro é perfeito em nos enganar, pois parece claro que a trama gira em torno da tortura de um homossexual infeliz pelo amigo mau-caráter. Fica a impressão de que o jovem Gustavo dará sua vida por Mário – e que Mário tomará de Gustavo aquilo que lhe parecer interessante.

Mas a história sofre uma reviravolta e Mário se encanta por Gustavo. Enquanto isso, este conhece uma moça e começa a namorá-la. Faz planos de casamento e de morar com ela em outro lugar, longe do Minhocão. Então, é a vez de Mário se desesperar – e pouco a pouco sua máscara vai desmoronando, até o êxtase final, de culpa, dor e amor gay.

Vietri é brilhante em construir na trama a relativização da moral, pois superficialmente parece dizer, a princípio, que o homossexualismo é um poço de desgraça e solidão. Retirada a hipocrisia, por trás dela está a incapacidade do ser humano em controlar seus instintos e desejos – por mais absurdos que sejam ou possam parecer.

Se você é alguma coisa, apenas esconde, nunca deixa de ser – resta de mensagem, neste filme digno de figurar entre as melhores coisas que o cinema paulista produziu. Uma pena que não seja encontrado em lugar algum, tendo sido lançado em vídeo no início dos anos 80, para nunca mais.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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