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quinta-feira, 24 de junho de 2010

UMA MULHER PARA SÁBADO


"Uma Mulher Para Sábado" (1970) é daqueles filmes que certos diretores paulistas, no final dos anos 60 e início dos anos 70, pareciam ter prazer em realizar.

Caminhando em tendência oposta às investigações de estéticas marginais e aos questionamentos estritamente brasileiros, obras como esta, "Cordélia, Cordélia", de Rodolfo Nanni, ou mesmo "O Quarto", de Rubem Biáfora, hoje praticamente esquecidas, surgiram em um período difícil de radicalismo e exacerbações, buscando no intimismo e no drama burguês -- em sentimentos universais -- narrativas elaboradas, densas e adultas, com clara inspiração no cinema japonês dos anos 50 e 60, em diretores europeus (Bergman, Antonioni), e no marco "Noite Vazia" (64), de Walter Hugo Khouri.

Em "Uma Mulher Para Sábado" elementos khourianos surgem com clareza -- o jovem diretor, Maurício Rittner, antes esteve na equipe de "Corpo Ardente" e "Noite Vazia". Lá estão a busca do absoluto, a angústia existencial que conduz a uma necessidade de amor incondicional; e também a tensão narcisista masculina, a disputa muda -- e histérica -- entre homens pela posse impossível do mistério feminino.

Baseado no romance "As Regras do Jogo", de Mário Kuperman, o roteiro escrito a quatro mãos pelo próprio escritor e por Rittner, narra a fuga de quatro jovens, Doriane (Adriana Prieto), Nando (Miguel Di Pietro), Loco (Flávio Portho) e Inês Knaut (tratada como "Moça número 1"), para um refúgio paradisíaco em Ilhabela, onde -- sob o patrocínio do dinheiro de Loco, ou melhor, das empresas de seu pai -- dão vazão a uma espécie de catarse de final de semana, antes de voltarem na segunda-feira para a mediocridade da vidinha cotidiana.

Vida que para Nando, representante comercial de remédios, é simbolizada pela convivência opressiva com uma namorada pobre e limitada (Júlia Miranda), com quem se encontra às escondidas no quarto onde mora. Tendo amigos ricos, apaixonado por Doriane, o atormentado Nando quer fugir à realidade que o engole; por outro lado, Loco está prestes a assumir os negócios da família, o que representará o fim dos "anos de juventude" e conseqüentemente, da amizade entre os dois. Afinal, como o próprio Loco deixa claro: "Com dinheiro, sou um excêntrico; sem dinheiro, um marginal".

É fácil rifar o amigo e apoderar-se da namoradinha cobiçada. Para tanto, Loco faz a barba, flerta preguiçosamente com Doriane e pouco resta a Nando do que aceitar passivamente o casamento das duas fortunas, a realidade imposta. Sua namorada será sempre a telefonista com quem se encontra para o sexo rotineiro e sem amor e sua vida será sempre a de carregar malas e esperar na sala de espera dos consultórios médicos.

Exibido muito raramente no Canal Brasil, "Uma Mulher Para Sábado" tem belas locações, música de Rogério Duprat -- e Adriana Prieto, aos 20 anos de idade, no período em que rodava também "Palácio dos Anjos". Além de Ester Góes, lindíssima, aos 24 anos, fazendo ponta minúscula como secretária.

Em última instância, "Uma Mulher Para Sábado" servirá de introdução a filmes mais difíceis sobre temáticas próximas -- como "O Último Êxtase" de 72, por exemplo -- e ratifica a certeza que o distanciamento histórico nos proporciona, de que em São Paulo sempre se produzia (ainda se produz) a inteligência mais lúcida e madura do país -- o que se refletiu (e ainda se reflete) na complexidade e riqueza do cinema ali realizado.
Texto escrito por Andrea Ormond, publ icado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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