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quinta-feira, 24 de junho de 2010

OS HOMENS QUE EU TIVE.


Lançado em 1973, bastaram poucas exibições nos cinemas para “Os Homens Que Eu Tive” ser proibido pela Censura, apavoradíssima com a liturgia do “paz e amor” pregada pela diretora, roteirista, argumentista e montadora Tereza Trautman.

Esposa na época do também diretor Alberto Salvá – que em “Inquietações de Uma Mulher Casada” (1978) retomaria a exploração da temática feminina de “Os Homens Que Eu Tive” sob o viés inverso: de um casal careta, que sofre ao se libertar –, Tereza conta aqui uma história de sabor levemente autobiográfico, centrada na personagem Pity (Darlene Glória).

Com aporte financeiro da Herbert Richers, a Thor Filmes – fundada por Trautman e Salvá – aproveitou a trilha sonora flower-power do grupo “O Bando” e de Caetano Veloso na fase “Transa”, para entregar ao público uma crônica de costumes setentistas bem intencionada, mas um tanto frágil na construção das viradas da trama. Diga-se de passagem que a dificuldade pode ter surgido na re-estruturação do roteiro após a morte de Leila Diniz em 1972, a protagonista do papel que foi parar nas mãos da amiga, Darlene Glória.

“Os Homens Que Eu Tive” inicialmente mostra Pity casada com Dode (Paulo Gracindo Jr.), residente num apartamento voltado para o mar no Rio de Janeiro. Dode divide o local e a mulher com o largadão Sílvio, além do fotógrafo Peter (Arduíno Colassanti) e da gregária Bia (Ítala Nandi).

Em dado momento, Pity atingirá um nirvana sexual provisório com Torres (Milton Moraes), artista plástico líder de uma comunidade hippie. Mas antes disso, vamos ao cotidiano do trisal Pity-Dode-Sílvio.

Pôster do Samba Trio na parede do dois-quartos à beira da praia, latinhas de cerveja na varanda, profusão de homens de sunga – aspecto positivo do filme, que contraria o machismo bocó –, Pity desenrola o rolo de se misturar com tantas pessoas e não se encontrar em nenhuma.

No meio do clima civilizado de troca-troca – que não abrange os rapazes entre si, uma pena –, a moça acaba indo morar com Peter, que pretende ir para o Alto Xingu rodar com ela um curta sobre os índios gigantes (?!?). O assunto não interessa, claro, ao produtor contactado pela dupla, que preferiria algo “na linha da sacanagem”.

Temos aí em Peter o mito do fotógrafo-etnógrafo boa-pinta, aventureiro (“Eu amo você, Peter. Porque você é forte e puro ao mesmo tempo.”) E ardendo por ele, Pity comete o ato desesperado: “Eu vou escrever um bilhete pro Dode e me encontrar com o Peter. Eu não sei aonde vai parar isso tudo, mas eu vou me encontrar com ele.” Os dois acabam ficando juntos por uns tempos, mas o lance também esfria, levando à deixa para um téte-a-téte lésbico com Bia.

Acompanhada por Bia, Pity encena um ritual típico e diáfano dos antigos: senta-se no chão, cruza as pernas e sobre as coxas dedilha uma coleção de lps. Em parcos segundos, casualmente, elas parecem parte de um calendário colorido sobre a vida e o tempo que o próprio filme se dispõe a documentar.

Além do produtor quadrado e burro, a moça tem que encarar também as críticas do cunhado autoritário – contadas pela sobrinha –, propositadamente antagônico ao seu jeitão de ser e que, propositadamente mais uma vez, é o chato que larga a mulher e os filhinhos para viver um adultério convencional.

Nisto há aquela esquematicidade que atrapalha o roteiro, a esta altura já transposto para um casarão lisérgico, onde Torres produz o filho que não é seu nem de ninguém, além dela, Pity, mãe solteira por opção – apesar de, como se vê, cercada da ciranda de amigos e amantes.

Por fim, ela solta uma tirada ótima para Peter, resumindo bem a neura narcísica-individualista travestida de ideologia hippie que dá o fio da meada para o enredo: “Eu preciso sempre de gente que me ame, que me ache maravilhosa. Ontem, depois de ligar para cá, eu dormi com um cara.”

Pouco depois, em 1974, Salvá dirigiria um clássico da cinematografia infanto-juvenil, “As Quatro Chaves Mágicas”. Seu último longa, “A Menina do Lado” veio em 1987, um ano antes de “Sonhos de Menina-Moça”, o último de Trautman.

Assistentes de direção mútuos – Tereza foi em “Revólveres Não Cospem Flores” (1972), de Alberto – ou responsáveis pela fotografia e câmera – Alberto foi em “Os Homens Que Eu Tive”, de Tereza –, a parceria dos dois, hoje separados, lembra uma tarde num apartamento imaginário, com samambaias, estofado verde-escuro e patchworks que ardiam em contato com o sol.

Caminhando pelas ruas antigas da cidade desbundada, os filmes da dupla trazem aquela essência realista e igualmente poética, que narrando os dias de um mundo perdido, ultrapassado, merecem ser descobertos como curiosidade e inspiração para quem sequer imaginava nascer, naquele distante início dos anos 70.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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