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quinta-feira, 24 de junho de 2010

ESSA GOSTOSA BRINCADEIRA A DOIS.


O título é enganoso. Parece um exemplar da falecida “Sala Especial”, o Supercine do canal de televisão TVS, atual SBT, e alegria dos menininhos púberes que nos anos 80 ainda não podiam consumir pornografia explícita.

A verdade, entretanto, é que “Essa gostosa brincadeira a dois” é um filme romântico, comedioso e – o que é melhor – romântico, comedioso e bicho grilo, já que datado de 1974. Se produzido hoje em dia, teríamos Meg Ryan e George Clooney nos papéis principais, ou Adriana Esteves e Dan Stulbach, mas em 1974, e “parcialmente financiado pela Embrafilme”, temos Dilma Lóes e... Carlo Mossy!

Defensores de práticas mais ortodoxas de filmagem, intelectuais e fulanos despidos da curiosidade antropológica de se assistir a esses filmes populares de época, não vão certamente achar a menor graça na película. O restante pode assistí-la sem erro: é mais divertida que “Guerra dos Mundos”.

Notem que em 1972 Mossy já havia criado, junto com Victor Di Mello (diretor do “Essa gostosa brincadeira...”) a Vidya Produções Cinematográficas, que, não por acaso, é a responsável pelo projeto. “As atrizes usam perucas Fizpan” – acreditem, e muito – e o galã desfila pela orla da Zona Sul do Rio com a mocinha em uma moto, de chinfra. No caminho, passam por um grupo de jovens comendo os cachorros quentes da Geneal. Lembrei-me na mesma hora de Nelson Rodrigues e de suas indefectíveis citações às cuias de queijo Palmira. Tal como o gumex e a educação, preciosidades antigas que se perderam.

Carlos (Mossy) e Beth Bombardeio (Lóes) largam uma vida pregressa, burguesinha e claustrofóbica, para se tornarem adeptos da boa vida. Ao fundo, a música deixa tudo às claras: “você às vezes não se pergunta / por que querem que você percorra / velhos caminhos que não levam a nada.”

São namorados? Beth e Carlos dividem um apartamento – cujo quarto de Beth parece um similar de brechó – e conhecem-se desde crianças. Aprontam, entram de penetra em festa, mordem frutas na feira, se bronqueiam com as brigas entre mãe e filha. “É, tua mãe não tá com nada mesmo”. Decidem esquecer o bode indo para a Bahia, e nisto o filme ganha uma qualidade de road movie dos trópicos. Porque vão, claro, na moto.

Pernoitam em um motel, fingindo para o porteiro assustado, estarem mortos de tesão um pelo outro – estão? Beth surge com a pergunta: “Você não tem vergonha de não fazer nada, não?”, “Claro que não. (...) Quero me casar com uma dona milionária” que, não há duvidas, o sustente. Se entreolham e Beth responde com um sorriso amarelo.

Continuam caminho, até Salvador. Hospedam-se em um hotel, também de penetras, fingindo serem turistas estrangeiros em férias. Na piscina, a aparição: Vera Fischer. “Essa é a mulher que eu estava esperando há muito tempo: linda, boa e deve ser cheia de grana”. Beth e Carlos ainda ficam juntos por um tempo, mas quando o rapaz transa com uma hippie nua na praia (possivelmente Arembepe) é chegado o fim. Atenção para o diálogo, que merece um parágrafo:

— Somos dois palhaços de uma humanidade que está cada vez menos humana. Vou me mandar daqui. (...)
— Ir pra Europa eu compreendo, mas trabalhar? Você ficou louca?
— Eu não me sinto bem aqui, sem fazer nada – e eis que ela, feminíssimamente, admitamos, travestiu o ciúme explícito em preocupação social. Não há o que fazer Mossy, ela vai pegar o ônibus Viação Itapemirim e ir embora.

Depois desta inevitável separação Carlos ainda fica com Fischer e a hippie peladona por um tempo, mas quando descobre pela televisão que Beth Bombardeio estreou como chacrete na “Discoteca do Chacrinha” (!), fica desconcertado. Pior: Beth aparece falando com o próprio Abelardo Barbosa, agradecendo pelo tempo em que trabalharam juntos e anunciando que se casará no dia seguinte com um produtor, amigo de Carlos. O mesmo que conhecera na festa dos penetras e que havia lhe garantido o inacreditável emprego, quando da sua volta da Bahia.

O detalhe à la “Giselle” – outro filme clássico da Vidya Produções – é que esta cena ocorre enquanto Carlos está transando com Fischer, na enésima vez do dia. Sim, porque já haviam praticado o ato anteriormente, na praia, num navio e numa piscina. E, muito importante dizer, tudo começou quando Carlos conquistara Fischer em uma boate, com uma canalha piscadinha de olhos.

No dia seguinte, a hippie declara, vendo o amigo na maior fixação: “Pô, tem que agir, pensar não adianta.” Mossy começa a rir, dar pulos, fica feliz e vende a moto que fizera a alegria de suas viagens easy rider. Com o dinheiro compra uma passagem de avião de volta e, ao chegar à igreja descobre que a noiva sumiu, abandonou o produtor deixando uma carta. “Apesar das confusões com o Carlos, é dele que eu gosto. Não vou ficar com ele, nem com minha mãe, nem com você.”

Daí para frente, leitor, temos um Mossy perdido, sem saber o que fazer, mas com vários estalos certeiros, até descobrir aonde se encontra a amada. A bordo do Eugênio C., atracado no cais do porto, rumo à Europa.

Enquanto a música do início volta, subindo até o final da projeção, o espectador terá a oportunidade de ver um encontro dos dois, no gramado do Maracanã, em câmera lenta – tal qual cena clássica de “Carruagens de Fogo” –, vestidos de Romeu e Julieta e em dia de jogo do Flamengo – time de ambos.

Nós, deste lado da tela, como espectadores do século XXI e ares vagos de cronistas, só podemos ficar imaginando que no lendário Pier de Ipanema as cocotas da época tenham achado um ouriço o encontro, mas sabiam que era chegada, finalmente, a hora do evasé. Terminado o filme, desligado o vídeo (sim, provavelmente nunca vai sair em dvd) caminho pelas ruas de uma Ipanema decadente e me indago: afinal, por que Carlo Mossy não prosseguiu sua carreira? Um homem tão bonito e talentoso. O nosso John Cassavetes do bas-fond.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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