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quinta-feira, 24 de junho de 2010

RIO BABILÔNIA


“Rio Babilônia” formou gerações e gerações de adolescentes em fúria, desde sua estréia em 1982. As reprises nas madrugadas de algumas redes de televisão eram comentadíssimas, e, nos tempos pré-internet, o tráfico de informações a seu respeito era intenso. As atrizes, as cenas de quase pornô, o sol, a cocaína, o suor e a cerveja estão impregnados no filme que, apesar de cortes sorrateiros – para adocicar o sexo explícito –, era assistido com louvor nas boas casas de família.

Chama a atenção, antes de mais nada, a escolha de Joel Barcellos para galã, atendendo pelo simpático nome de “Marciano”, profissional de uma agência de turismo, encarregado de assessorar os visitantes que chegam ao Rio. Um deles é o Dr. Liberato (Jardel Filho), recém-chegado ao Brasil após muitos anos no exterior. Christiane Torloni é Vera Moreira, a “intrépida repórter que desmascara poderosos” (sempre havia uma!) e investiga a denúncia de contrabando de ouro praticado pelas fazendas do Dr.Liberato. Este é o triângulo principal de Rio Babilônia, pelo menos no script, porque a ele se somarão dezenas de transeuntes, em poses espetaculares.

A primeira leva deles é vista numa festa celebrada pela cafetina do high-society, Solange (Norma Bengell). Ali estão políticos (Sergio Mamberti), senhores importantes e capangas de Liberato (um deles, Wilson Grey), antigo conhecido da anfitriã. Contrata-os para, claro, dar fim a Vera, que “excedeu-se” no trabalho detetivesco, contrário aos empreendimentos do escroque.

Jardel Filho, em seu último trabalho, nada lembra o tuberculoso de “Floradas na Serra” ou o poeta verborrágico de “Terra em Transe”. Em “Rio Babilônia” aparece de cuecas, calças pelos tornozelos, além de, próximo ao término do filme, protagonizar inacreditável cena de amor com um travesti – este, em nu frontal.

A presença do nu em filmes brasileiros não é de se estranhar. Existem muitas formas de tratá-lo e fazê-lo repleto de importância, em expressões artísticas, que, evidentemente, não se restringem ao cinema. O problema é que, ao mesmo tempo, o nu muitas vezes é a garantia de circo na vida do espectador. E latino-americanos são acostumados com tabus sobre a nudez masculina.

Pois em “Rio Babilônia” isto é esquecido. O exemplo mais célebre está no momento em que contracenam Denise Dummont, Pedrinho Aguinaga e Barcellos. Os zooms não deixam dúvidam de que tudo foi levado, digamos, bastante a sério. Confesso que temi pela integridade de Rocky – cãozinho da mansão de Dummont e Aguinaga –, cogitando de o diretor, Neville d’Almeida, levar a ação até as últimas conseqüências.

Neville – pitorescamente grifado “Nevile” ou “Neville”, “de” ou “D’Almeida” nos créditos desatentos que abrem o filme que dirigiu, escreveu e produziu – é antigo conhecido de produções com forte apelo erótico. “A Dama do Lotação’ e “Os Sete Gatinhos”, por exemplo, tornaram-se clássicos, além de ajudarem a popularizar uma pequena parcela da obra de Nelson Rodrigues. “Rio-Babilônia” tem roteiro co-assinado por Ezequiel Neves – co-fundador da revista “Rolling Stone” brasileira – e João Carlos Rodrigues.

Dona Zica, viúva de Cartola, faz uma pequena participação como a mãe do traficante Sabará, a quem recorre Barcellos para comprar mil dólares em cocaína – vulgo “brilho” ou “realce” – pedidos pela atriz internacional que se engraçara com o sambista (Antônio Pitanga), no mar de Copacabana. Vemos também o ex-dançarino dos “Dzi Croquetes”, Paulette; o vocalista da Blitz, Evandro Mesquita; o lendário Maurício do Vale; a promoter Liége Monteiro.

O que me deixou um pouco surpresa foi a escolha de um final retumbante, exacerbado, em que a música de fundo destoa da narrativa. Há uma pretensão tola de atribuir a “Rio Babilônia” a qualidade de magnus opus, de concerto no Convent Garden, quando na verdade ele é feito de incursões a favelas, gringos otários, prostitutas, passistas de escola de samba que transam na praia. Destoa e contradiz o filme.

Argumentos cínicos não colam: o filme é esfuziante do jeito que é, bem-humorado e elétrico, conforme indica-se no título. Aliás, sempre bom relembrar o campy “Babilônia Rock”: “Você vai cair de boca, enlouquecer, você tá marcando touca, vem me conhecer... Rio Babilônia, uou uou uou”.

A badalação nas festas de “Rio Babilônia” é intensa; trocas de olhares breves, consumações longas. Favelas, lixo, city-tour e algo próximo de uma crítica social. “Ninguém segura a juventude do Brasil” era slogan cantado por Don e Ravel, durante o regime militar. Passados alguns anos, ela estava turbinada, em sonhos megalomaníacos, consumindo doses e doses de uísque e pó, no satirismo próprio de uma cidade e de um cinema que não se levavam a sério e que por isso mesmo, seduziam e encantavam tanto.
Texto escrito por Andrea Ormond, publicado no blog Estranho Encontro (http://www.estranhoencontro.blogspot.com).

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